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quarta-feira, 6 de junho de 2007

O vestido





O vestido

Odiava esperar as coisas acontecerem, mas talvez por um momento, pudesse se permitir ser levada pela força do vento, esvaziar seus pensamentos e deixar-se como folha avulsa que se solta, em idas e vindas lascivas.
Atordoada, não sabia se pela espera ou se pelo número de pílulas que tomara, Cecília entregava-se ao vento e como seu vestido de seda púrpura ela ondulava quase dançava. Aquela leveza tomava sua pele clara, sem a devida noção do tempo não distinguia dia ou noite, se aquilo era real ou se mais uma de suas visões.
Lembrou-se de César por um momento, parecia que nunca vivera sem ele, a impressão mais forte que tinha era que ele era uma constante em sua vida, mas com a mudança de vento, seus pensamentos mudaram de rumo.
Ateve-se ao vestido, olhava a disposição de suas saias e suas dobras, adorava aquele vestido, tinha vontade de dançar e sorrir. Em movimento de rotação, rodava sozinha e ria de si, quase que embriagada de nada. De tanto girar, sentiu vertigens e parou num movimento brusco. Ainda observando as dobras do vestido, como se a vida fosse só aquele pedaço de pano e tivesse dobras como suas saias. Como descobrir onde começa uma coisa e termina a outra? Haveria uma linha intermediária entre o contemplativo e o ativo? Olhar as saias a agradava, mas rodar para fazê-las se movimentar era infinitamente melhor! Sentia-se tonta, mas realizada, leve como uma pluma!
Apetecia-lhe vislumbrar as coisas, mas das esperas nunca gostou, eram angustiantes, quase entediantes.
Ouvia das pessoas a mesma reclamação, que era inconseqüente, impaciente, que se precipitava ao primeiro sinal de perigo, que feria para não ser ferida, fugia, para não se sentir pressionada. E quem não age assim, se perguntava.
Mas seria ela a única dona de seu destino? Será que tudo que lhe acontecera até ali teria sido apenas por suas escolhas mal feitas, ou por hora ter se tornado prisioneira de uma liberdade ilusória?
Finalmente estava no estágio que pretendia alcançar, a dormência, a gentil sensação flutuante de estar livre de qualquer amarra, tudo parecia ocorrer em seu ritmo próprio, o vento ganhava voz e sorrisos.
Seu vestido era roupa para seu corpo, para o vento não passava de um tecido, um obstáculo que teria que transpor para chegar ao seu destino final. As dobras eram transitórias, ao menor movimento do vento ou de Cecília se desfaziam por completo, sem marcas, sem rusgas.
Quem dera fosse livre como o vento, dona de seu destino, quem dera soubesse fazer as escolhas certas, quem dera não ter que escolher. Tudo parecia confuso e claro, não havia liberdade, apenas um simulacro dela. Mas por hora, estava feliz com seu vestido.
Por um momento pensou ouvir a voz de Otávio, seu corpo desabou, sentiu suas mãos suando e um desconforto vertiginoso. A voz perguntava:
─ Para que faz isso, Cecília? Quantas pílulas dessa vez? Não sei mais como posso te ajudar!
Ela só tinha vontade de rir, mas estava fraca demais para isso. Sentia raiva dele agora, queria ser esquecida naquele estágio, será que nunca a deixaria em paz?