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quinta-feira, 20 de abril de 2006

No sanatório



No sanatório
Ali deitada, no meio de sua urina e de suas secreções, mais parecia um bicho sujo, feio e repugnante. Os seus conselheiros naqueles dias sumiam, não davam conselhos nem a culpavam. Recordava de suas horas, de suas noites, antes de estar ali. Unhas pintadas num carmim encarnado, cabelo sempre arrumado e do cheiro de lavanda que tinha. Não era mais nem a sombra daquela mulher, finalmente estava livre das pessoas, das taças cintilantes, dos burburinhos, das risadas falsas, das superficialidades. Tinha saudade do vinho de boa safra, de seus cigarros.
O canto mais escuro daquele quarto a acalentava. Mesmo com todas as perturbações diárias, ouvir os gritos que vinham de fora, despertar no meio de sua própria imundice, sentia-se melhor ali do que no meio de tanta hipocrisia.
De sua janela gradeada podia ver o jardim, cheio de margaridas brancas, petúnias, havia manhãs que as rosas sussurravam, riam-se dela e em outras as abelhas faziam um barulho ensurdecedor.
Logo uma enfermeira perceberia que ela estava acordada e viria cuidar dela.
As pessoas daquele lugar a tratavam bem, só fugiam à regra quando tinham seus problemas pessoais, descontavam nas injeções, na maneira de tratar os pacientes. Por suas mãos sabia quando estavam bem ou não.
Elas eram boas, davam-lhe banho, falavam com ela, mas preferia os enfermeiros, eles eram tão cuidadosos.
Agora limpa e composta em sua camisola de algodão cru, sentia-se mais humana. Bem que ele poderia chegar agora, ver seus cabelos ainda molhados, seus olhos calmos de abril. Seu coração batia no compasso dos passos dele, o sentia bem antes que entrasse no corredor, vinha com seu jaleco branco azulado, que cheirava água sanitária, sua marcha percorria toda a ala, para depois invadir seu quarto.
Seus passos tinham um barulho diferente, cada passo dele era um orgasmo latente nela.
Suas passadas aproximavam-se sisudas até a porta de seu quarto, mas quando entrava e fechava a porta parecia trazer toda ternura em seu olhar. Ele trazia a civilidade que ela necessitava, trazia suas mãos, com seus dedos finos e toque suave. Ouvia seus batimentos cardíacos, viraria seus olhos, olharia sua língua.
Seus dedos fugiam do estetoscópio, procurando os seios e naquela altura ela se lembrava de como eram os homens, só queriam saber de si, mas ela já não se importava mais, tinha sido mandada para aquele inferno, por ter descoberto seu marido infiel e pedófilo. Conhecia bem os homens, pelo menos com aquele era diferente, ele a usava e ela tinha consciência disso e o usava também. Talvez nem soubesse dizer quem era a vítima real do assédio, olhava-o com desejo e queria-se limpa para esperá-lo.
Já havia perdido a conta de quantas vezes ergueu a camisola, para que a olhasse, para que a tocasse. E numa noite de surto psicótico seus dedos descobriram seu colo, seu sexo e tudo o que queria acontecera ali.
Apenas suas visitas quebravam as crises temperamentais, a vontade de gritar e de se matar. Ele não sabia, mas se tornara o sentido da vida dela, embora César sempre aparecesse para visitá-la, ele era como um irmão, respeitoso demais.
Enquanto gozava, pedia baixinho por mais calmantes, queria ficar desacordada, chegava desejar ser estrangulada, por não suportar mais a vida.
Ela não tinha cura, se ele a liberasse se mataria. Esquizofrenia, alucinações, faziam parte de seu quadro clínico. Jurava ter feito sexo com todos os enfermeiros dali, mas nenhum admitiria tal fato. Mas o psiquiatra era sua razão de viver.
No fim, ele tinha o cheiro dela em seu jaleco, que já não estava tão alvo, ela recebia uma dose de calmante e dormiria até o outro dia, para acordar no meio se suas secreções.
Mas naquela noite, tudo seria diferente, ela conspirava meses consigo mesma, até pensar em uma maneira de se livrar de tudo.
(...)





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